Introdução
O que se convencionou chamar de Pré-Modernismo, no
Brasil, não constitui uma "escola literária", ou seja, não temos um
grupo de autores afinados em torno de um mesmo ideário, seguindo determinadas
características. Na realidade, Pré-Modernismo é um termo genérico que designa
uma vasta produção literária que abrangeria os primeiros 20 anos deste século.
Aí vamos encontrar as mais variadas tendências e estilos literários, desde os
poetas parnasianos e simbolistas, que continuavam a produzir, até os escritores
que começavam a desenvolver um novo regionalismo, além de outros mais
preocupados com uma literatura política e outros, ainda, com propostas
realmente inovadoras.
Por apresentarem uma obra significativa para uma
nova interpretação da realidade brasileira e por seu valor estilístico,
limitaremos o Pré-Modernismo ao estudo de Euclides da Cunha, Lima Barreto,
Graça Aranha, Monteiro Lobato e Augusto dos Anjos. Assim, abordaremos o período
que se inicia em 1902 com a publicação de dois importantes livros - Os sertões,
de Euclides da Cunha, e Canaã, de Graça Aranha - e se estende até o ano de
1922, com a realização da Semana de Arte Moderna.
A literatura brasileira atravessa um período de
transição nas primeiras décadas do século XX. De um lado, ainda há a influência
das tendências artísticas da segunda metade do século XIX; de outro, já começa
a ser preparada a grande renovação modernista, que se inicia em 1922, com a
Semana de Arte Moderna. A esse período de transição, que não chegou a
constituir um movimento literário, chamou-se Pré-Modernismo.
Nas duas primeiras décadas do século, nosso país
passou por várias transformações que apontavam para uma modernização de nossa
vida política, social e cultural.
Politicamente, vivia-se o período de estabilização
do regime republicano e a chamada "política do café-com-leite", com a
hegemonia de dois Estados da federação: São Paulo, em razão de seu poder
econômico, e Minas Gerais, por possuir o maior colégio eleitoral do país.
Embora não tivesse absorvido toda a mão-de-obra
negra disponível desde a Abolição, o país recebeu nesse período um grande
contingente de imigrantes para trabalhar na lavoura do café e na indústria.
Os imigrantes italianos, que se concentraram na
indústria paulista, trouxeram consigo idéias anarquistas e socialistas, que
ocasionaram o aparecimento de greves, de crises políticas e a formação de
sindicatos.
Do ponto de vista cultural, o período foi marcado
pela convivência entre várias tendências artísticas ainda não totalmente
superadas e algumas novidades de linguagem e de ideologia. Esse período, que
representou um verdadeiro cruzamento de idéias e formas literárias, é chamado
de Pré-Modernismo.
As novidades
Embora os autores pré-modernistas ainda estivessem presos
aos modelos do romance realista-naturalista e da poesia simbolista, ao menos
duas novidades essenciais podem ser observadas em suas obras:
interesse pela realidade brasileira: os modelos
literários realistas-naturalistas eram essencialmente universalizantes. Tanto
na prosa de Machado de Assis e Aluísio Azevedo quanto na poesia dos parnasianos
e simbolistas, não havia interesse em analisar a realidade brasileira. A
preocupação central desses autores era abordar o homem universal, sua condição
e seus anseios. Aos escritores pré-modernistas, ao contrário, interessavam
assuntos do dia-a-dia dos brasileiros, originando-se, assim, obras de nítido
caráter social. Graça Aranha, por exemplo, retrata em seu romance Canaã a
imigração alemã no Espírito Santo; Euclides da Cunha, em Os sertões, aborda o
tema da guerra e do fanatismo religioso em Canudos, no sertão da Bahia; Lima
Barreto detém-se na análise das populações suburbanas do Rio de Janeiro; e
Monteiro Lobato descreve a miséria do caboclo na região decadente do Vale do
Paraíba, no Estado de São Paulo. A exceção está na poesia de Augusto dos Anjos,
que foge a esse interesse social.
a busca de uma linguagem mais simples e coloquial.
embora não se verifique essa preocupação na obra de todos os pré-modernistas,
ela é explícita na prosa de Lima Barreto e representa um importante passo para
a renovação modernista de 1922. Lima Barreto procurou "escrever
brasileiro", com simplicidade. Para isso, teve de ignorar muitas vezes as
normas gramaticais e de estilo, provocando a ira dos meios acadêmicos
conservadores e parnasianos.
Contexto histórico
Enquanto a Europa se prepara para a Primeira Guerra
Mundial, o Brasil começa a viver, a partir de 1894, um novo período de sua
história republicana. Os dois primeiros presidentes do Brasil, após a
proclamação da República, eram militares: o marechal Deodoro da Fonseca e o
marechal Floriano Peixoto. O primeiro presidente civil, o paulista Prudente de
Morais, tomou posse em 1894. Com ele, teve início uma alternância de poder
conhecida como "café-com-leite", que se manteve durante as três
primeiras décadas do século XX. A expressão designa a política estabelecida,
mediante acordo tácito, pelos estados de São Paulo e Minas Gerais. A economia
do primeiro baseava-se na cultura e exportação do café; a de Minas Gerais, na
produção de café e de laticínios.
O advento da República acentuou ainda mais os
contrastes da sociedade brasileira: os negros, recém-libertados,
marginalizaram-se; os imigrantes chegavam em razoável quantidade para
substituir a mão-de-obra escrava,- surgia uma nova classe social: o
proletariado, camada social formada pelos assalariados.
Resumindo: de um lado, ex-escravos, imigrantes e
proletariado nascente; de outro, uma classe conservadora, detentora do dinheiro
e do poder. Mas toda essa prosperidade vem acentuar cada vez mais os fortes
contrastes da realidade brasileira
Da tensão entre esses dois pólos sociais resultou,
direta ou indiretamente, um panorama nada tranqüilo, época de agitações
sociais. Do abandonado Nordeste partem os primeiros gritos de revolta: no final
do século XIX, na Bahia, ocorre a Revolta de Canudos, tema de Os sertões, de
Euclides da Cunha; nos primeiros anos do século XX, o Ceará é palco de
conflitos, tendo como figura central o padre Cícero, o famoso "Padim
Ciço"; o sertão vive o tempo do cangaço, com a figura lendária de Lampião.
Em 1904, o Rio de Janeiro assiste a uma rápida mas
intensa revolta popular, sob o pretexto aparente de lutar contra a vacinação
obrigatória idealizada por Oswaldo Cruz; na realidade, trata-se de uma revolta
contra o alto custo de vida, o desemprego e os rumos da República. Em 1910, há
outra importante rebelião, dessa vez dos marinheiros, liderados por João
Cândido, o "almirante negro", conhecida corno Revolta da Chibata,
contra o castigo corporal. Ao mesmo tempo, em São Paulo, as classes
trabalhadoras, sob orientação anarquista, iniciam os movimentos grevistas por
melhores condições de trabalho.
Embora as tensões sociais explodissem em focos
diversos, a riqueza do país aumentava cada vez mais: a economia cafeeira no
Sudeste atingia seu período áureo, assim como a cultura e a comercialização da
borracha na Amazônia.
A rápida urbanização de São Paulo é um índice da
riqueza do país, concentrada na mão dos poucos indivíduos que compunham a
elite.
Foi nesse contexto, aqui rapidamente delineado, que
surgiram mudanças na arte brasileira. Essas agitações são sintomas da crise na
"Republica-do café-com-leite", que se tornaria mais evidente na
década de 1920, servindo de cenário ideal para os questionamentos da Semana de
Arte Moderna.
Características
Apesar de o Pré-Modernismo não constituir uma
"escola literária", apresentando individualidades muito fortes, com
estilos — às vezes antagônicos — como é o caso, por exemplo, de Euclides da
Cunha e de Lima Barreto, podemos perceber alguns pontos comuns às principais
obras pré-modernistas:
Apesar de alguns conservadorismos, o caráter
inovador de algumas obras, que representa uma ruptura com o passado, com o academismo;
a linguagem de Augusto dos Anjos, ponteada de palavras
"não-poéticas", como cuspe, vômito, escarro, vermes, era uma afronta
a. poesia parnasiana ainda em vigor. Lima Barreto ironiza tanto os escritores
"importantes" que utilizavam uma linguagem pomposa quanto os leitores
que se deixavam impressionar: "Quanto mais incompreensível é ela (a
linguagem), mais admirado é o escritor que a escreve, por todos que não lhe
entenderam o escrito" (Os bruzundangas).
A denúncia da realidade brasileira, negando o Brasil
literário herdado do Romantismo e do Parnasianismo; o Brasil não-oficial do
sertão nordestino, dos caboclos interioranos, dos subúrbios, é o grande tema do
Pré-Modernismo.
regionalismo, montando-se um vasto painel
brasileiro: o Norte e o Nordeste com Euclides da Cunha; o vale do Paraíba e o
interior paulista com Monteiro Lobato; o Espírito Santo com Graça Aranha; o
subúrbio carioca com Lima Barreto.
Os tipos humanos marginalizados: o sertanejo
nordestino, o caipira, os funcionários públicos, os mulatos.
Uma ligação com fatos políticos, econômicos o
sociais contemporâneos, diminuindo a distância entre a realidade e a ficção.
São exemplos: Triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto (retrata o
governo de Floriano e a Revolta da Armada), Os sertões, de Euclides da Cunha
(um relato da Guerra de Canudos), Cidades mortas, de Monteiro Lobato (mostra a
passagem do café pelo vale do Paraíba paulista), e Canaã, de Graça Aranha (um
documento sobre a imigração alemã no Espírito Santo).
Como se observa, essa "descoberta do
Brasil" é a principal herança desses autores para o movimento modernista,
iniciado em 1922.
O Pré-Modernismo é uma fase de transição e, por
isso, registra :
Um traço conservador
A permanência de características realistas/naturalistas,
na prosa, e a permanência de um poesia de caráter ainda parnasiano ou
simbolista.
Um traço renovador
Esse traço renovador — como ocorreu na música —
revela-se no interesse com que os novos escritores analisaram a realidade
brasileira de sua época: a literatura incorpora as tensões sociais do período.
O regionalismo — nascido do Romantismo — persiste nesse momento literário, mas
com características diversas daquelas que o animaram durante o Romantismo.
Agora o escritor não deseja mais idealizar uma realidade, mas denunciar os
desequilíbrios dessa realidade. Esse tom de denúncia é a inovação nessa
tentativa de "pintar" um retrato do Brasil. Além disso, dois dos mais
importantes escritores da época — Lima Barreto e Monteiro Lobato — deixaram
claro sua intenção de escrever numa linguagem mais simples, que se aproximasse
do coloquial.
Na maior parte da obras pré-modernistas é imediata a
relação entre o assunto e a realidade contemporânea ao escritor:
Em Triste fim de Policarpo Quaresma, romance mais
importante de Lima Barreto, o escritor denunciou a burocracia no processo
político brasileiro, o preconceito de cor e de classe e incorporou fatos
ocorridos durante o governo do Marechal Floriano.
Em Os Sertões, Euclides da Cunha fez a narrativa quase
documental da Guerra de Canudos.
Em Canaã, Graça Aranha analisa minuciosamente os
problemas da fixação dos imigrantes em terras brasileiras.
Em Urupês e Cidades mortas, Monteiro Lobato destaca
a decadência econômica dos vilarejos e da população cabocla do Vale do Paraíba,
durante a crise do café.
Na poesia, o único poeta importante a romper com o
bem-comportado vocabulário parnasiano foi Augusto dos Anjos.
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