Anita
Catarina Malfatti
Nasceu
em São Paulo, em 1896, e seus primeiros estudos artísticos foram orientados
pela mãe, pintora amadora. Em 1912 foi enviada para a Alemanha, a fim de cursar
a Academia de Belas-Artes de Berlim, após curto estágio em Dresden. A própria
artista, em depoimento de 1939, assim descreveu esses primeiros tempos na
Europa: "Em Berlim
continuei a busca e comecei a desenhar. Desenhei seis meses dia e noite. Um
belo dia fui com um colega ver uma grande exposição de pintura moderna. Eram quadros
grandes. Havia emprego de quilos de tintas, e de todas as cores. Um jogo
formidável. Uma confusão, um arrebatamento, cada acidente de forma pintado com
todas as cores. O artista não havia tomado tempo para misturar as cores, o que
para mim foi uma revelação e minha primeira descoberta. Pensei: o artista está
certo. A luz do sol é composta de três cores primárias e quatro derivadas. Os
objetos se acusam só quando saem da sombra, isto é, quando envolvidos na luz.
Tudo é resultado da luz que os acusa, participando de todas as cores. Comecei a
ver tudo acusado por todas as cores. Nada neste mundo é incolor ou sem luz.
Procurei o homem de todas as cores, Louis Corinth, e dentro de uma semana
comecei a trabalhar na aula desse professor." Após uma curta passagem pela Alemanha se dirigiu a Paris
e retornou ao Brasil em 1914 quando realizou sua primeira exposição individual.
Em 1917 após estudos feitos nos Estados Unidos realizou outra exposição.
Criticas feitas ao seu trabalho por reacionário como Monteiro Lobato a
desestabilizaram e sua obra declinou logo após. Seus trabalhos foram expostos
na Semana de Arte Moderna de 1922 e em outras exposição onde foi premiada e
consagrada.
Para
Mário de Andrade, outro expoente do modernismo brasileiro: "foi ela, foram os seus quadros, que
nos deram uma primeira consciência de revolta e de coletividade em luta pela
modernização das artes brasileiras."
Emiliano Augusto Cavalcanti de
Albuquerque Melo
- Di Cavalcanti
Possível autor da iniciativa de 1922, Emiliano Augusto Cavalcanti de
Albuquerque Melo, artisticamente conhecido como Di Cavalcanti, nasceu e morreu
no Rio de Janeiro. Teve seu trabalho publicado pela primeira vez em uma
revista, em 1914. Realizou sua primeira mostra individual em 1917, como
desenhista; era então na opinião de Mário de Andrade, "o menestrel dos tons velados", e utilizava como meio de expressão
predileto o pastel, evocando figuras femininas "de angelitude então em
voga". Em 1921 realizou sua primeira exposição de pinturas e em seguida
presenciou a Semana de Arte Moderna, ao que parece originada de uma sugestão de
Di Cavalcanti e Paulo Prado. Compareceu com 12 obras nas quais se observa certa
persistência de tendências passadas, como o Impressionismo e o Simbolismo,
temperadas com algumas pitadas de Expressionismo. As críticas, como de costume
a qualquer forma de mudança na arte da época, foram intensas e arrasadoras.
Após a Semana, Di Cavalcanti embarcou para a Europa onde se dedicou
exclusivamente à pintura e onde sofreu muitas influências no trabalho.
Retornando ao Brasil realizou nova mostra e uma exposição individual. Mário de
Andrade não poupou elogios aos seus trabalhos e à maneira explendida como
mostrou o Brasil como ele é. Suas coisas, sua gente, sua alegria. A década de
40 foi o apogeu do talento de Di Cavalcanti, que se tornou um dos mais notáveis
pintores brasileiros gerados pelo modernismo.
Flávio de Resende Carvalho
Pioneiro da arquitetura moderna brasileira, pintor desenhista, escritor, Flávio
de Resende Carvalho estudou na Inglaterra e sempre se distinguiu pelo arrojo e
pelo ineditismo de sua atuação. Foi um inovador, acostumado, desde o princípio,
a nunca pisar caminhos já sulcados. Sua originalidade revelou-se, por exemplo,
no Bailado do Deus Morto, quando
realizou cenários luminosos para uma sinfonia coreográfica de seu amigo Camargo
Guarniere. Ou ainda em sua ridicularizada tentativa de impor, aos brasileiros,
um traje mais adequado ao clima do país, desfilando com um saiote pelas ruas de
São Paulo. Grande pintor e desenhista ligado ao Expressionismo, teve na figura
humana seu tema favorito, sendo famosos os retratos que fez de personalidades
da vida cultural brasileira, como Mário de Andrade e José Lins do Rego. Mas foi
nos desenhos da Série Trágica, realizados junto ao leito de morte de sua mãe,
em 1947, que Flávio de Carvalho atingiu o auge de sua arte. Sobre esses
trabalhos, escreveu Almeida Sales: "Não
sabendo expressar-se mais profundamente
do que por
intermédio de sua gagueira de traços acumulados sobre a folha alva, ousou
transformar o quarto da mãe morrendo em ateliê de registro do estranho fato.
Saiu da alcova trágica como um deus que tivesse detido o processo inexorável da
morte. Debaixo
do braço,
folhas riscadas com carvão guardavam, indelevelmente, a mais extraordinária
fotografia de todos os tempos: os últimos estertores da vida de uma anciã
entrando na morte, fixado pelo homem nascido de suas entranhas".
Alberto da Veiga Guignard
Ainda adolecente, Alberto da Veiga Guignard, seguiu com sua família para a
Europa onde cursou as academias de Arte de Florença e Munique, e expôs por duas
vezes no Salão de Outono, em Paris. Referindo-se a si mesmo na terceira pessoa,
Guignard
disse, em 1960, que " de
acadêmico passou a moderno , após ter visto uma exposição de arte moderna
alemã: o modernsmo o fascinou."
Em 1929, retornou ao Rio de Janeiro e lecionou na Fundação Osório e na Antiga
Universidade do Distrito Federal, além de montar seu ateliê. De meados da
década de 30 até o final da vida, Guignard evoluiu gradativamente, sempre
concedendo primordial importância ao desenho.
Em 1944,
mudou-se para Minas Gerais a convite de Juscelino e foi como paisagista que
atingui seu apogeu sobretudo das séries Jardim Botânico, Itatiaia, Parque
Municipal de Belo Horizonte, Lagoa Santa, Sabará e Ouro Preto. Guignard era
dotado de excelente técnica, pintando em camadas finas, que se sucediam umas
sobre as outras, à maneira dos antigos. Sua pintura é, preferentemente, lisa,
ignorando o empaste.
Ismael Nery
Descendente de índios, negros e holandeses, Ismael Nery, tinha dois anos de
idade quando sua família se fixou no Rio de Janeiro; aos 15, matriculou-se na
Escola Nacional de Belas-Artes, da qual foi aluno rebelde e displicente. Ao
contrário de Di Cavalcanti, Tarsila e Vicente do Rego Monteiro, Ismael Nery
buscava o universal: nunca o preocupou a eventualidade de uma pintura
brasileira. Por outro lado, em toda a sua obra assoma um só tema: a figura
humana. Foi, na verdade, um clássico, cevado na profunda admiração que devotava
a Ticiano, Tintorreto, Veronese e Rafael - admiração que estendeu a
Chagall, Max
Ernst e Picasso. Em sua produção, pouco extensa - cerca de cem óleos, apenas, e
de um milheiro de aquarelas, guaches e desenhos, distinuem-se três fases: a expressionista, de 1922 a 1923; a cubista, de 1924 a 1927 e a surrealista, de 1927 ao fim da vida. Se artisticamente o
período expressionista-cubista é o mais importante e fecundo (influência de
Picasso), o último, marcado por Chagall, é historicamente o de maior relevo,
tendo sido Ismael o introdutor do surrealismo entre nós.
Lasar Segall
Pintor, escultor, desenhista e
gravador, Lasar Segall nasceu em 1891 em Vilna, na Lituânia, e nessa cidade
(então parte integrante do território russo) deu início ao seu aprendizado, com
o escultor e gravador Markus Antokolski. Em 1906 emigrou para a Alemanha,
estudando na Academia de Belas-Artes de Berlim entre 1907 e 1909, quando foi
desligado por ter participado da Freie Sezession — uma exposição de
artistas descompromissados com a estética oficial — na qual conquistou o Prémio
Max Liebermanu. Em 1910 transferiu-se para Dresden, freqíientando a Academia de
Belas-Artes local na qualidade de Meisterschúller (aluno instrutor),
dispondo de atéliê próprio e de plena liberdade de expressão. Em Dresden, no
mesmo ano, realizou sua primeira mostra individual, com pinturas ainda
fortemente marcadas pelo Impressionismo de Liebermann. Tinha Segall cerca de
vinte anos quando começou a se afastar gradativamente da influência de
Liebermann e a se aproximar do Expressionismo. Sempre em busca de novos
caminhos, estava em 1912 nos Países Baixos, e em 1913 aventurou-se até o
Brasil, onde realizou a primeira exposição de arte moderna. No mesmo ano
retornou à Alemanha; em 1914, cidadão russo que era, foi internado num campo de
concentração. Essa amarga experiência lhe serviria, anos mais tarde, na
abordagem de alguns de seus quadros mais trágicos, inspirados pela guerra de
1939. Até 1923 Segall permaneceu na Alemanha, onde publicou quatro álbuns de
litografias e águas-fortes e realizou exposiç6es individuais em Hagen (1920),
Frankfurt (1921) e Leipzig (1923). A Alemanha vencida proporcionava-lhe campo
propicio ao trágico e rude Expressionismo dc sua mocidade. Aos 32 anos, já
senhor de sua técnica, praticava urna temática pessoal: velhos leitores do
Talmude, camponeses e mendigos, indigentes e crianças, evocações da terra natal
e retratos de parentes e intelectuais, auto-retratos. Seu desenho é incisivo e
anguloso; o colorido, forte e cru, O corpo humano é deformado de modo a melhor
evocar paixões e sofrimento. Em 1923, decidiu voltar ao Brasil, radicando-se
definitivamente em São Paulo, onde, no ano seguinte, efetuou nova mostra
individual, e realizou a decoração do Pavilhão de Arte Moderna de Dona Olivia Guedes
Penteado. Casando-se em 1925 com uma discípula, Jenny Klabín, adotou como sua a
nova terra, naturalizando-se mais tarde cidadão brasileiro. Ao mesmo tempo, deu
inicio às pinturas de temática brasileira — mulatas com filhos ao colo,
marinheiros e prostitutas, favelas e bananeiras — expostas em 1926 em Berlim,
Dresden e Stuttgart, em 1927cm São Paulo em 1928 no Rio de Janeiro. Em 1929
Segall passou a esculpir, criando, em madeira, pedra e gesso, as mesmas figuras
sofridas e solitárias que já eternizara em pinturas, desenhos e gravuras. Cabe
recordar que seu primeiro mestre, Antokolski, foi. um dos mais importantes
escultores russos do século XIX: sua obra, influenciada por Rodin, oscila entre
os temas judaicos e as grandes personagens da história russa, sem falar nos
mártires e santos do cristianismo, que muito o seduziram. Pode-se aventar a
hipótese de uma influência, leve mas duradoura, de Antokolskí sobre Segall
escultor. Após ter realizado uma exposição em Paris, em 1932, Segall fundou,
com outros artistas, a Sociedade Pró-Arte Moderna SPAM — da qual foi, por assim
dizer, a alma. Duas de suas series mais importantes de pinturas tiveram Inicio
em 1935: as interpretações da natureza de Campos do Jordão e os Retratos de
Lucy (sua jovem aluna Lucy Citti Ferreira). Foram intervalos de calma, nos
quais vibram tonalidades líricas. Em 1936, porém, o artista estava de volta à
antiga ambiência de tragédia e solidão: é a época de suas primeiras pinturas de
temática social, que lhe garantiram um lugar de destaque entre os principais
expressionistas do século. Essas pinturas preludiam a iminente conflagração
mundial, os massacres, o genocídio. Pogrom. Na pio de Emigrantes, Guerra,
Campo de Concentraçdo. Os Condenados e as gravuras do álbum Visões de
Guerra (1940-1943) compõem uma dramática sequência de sofrimento, raras
vezes expresso, em obras pictóricas, de modo tão intenso e profundo. Uma grande
exposição realizada em 1943 no Museu Nacional de Belas-Artes, no Rio de Janeiro
(não sem incidentes criados pelos pintores tradicionalistas ou acadêmicos),
colocou definitivamente Sega11 entre nossos maiores artistas. Em
1944 a temática das prostitutas, que vinha desde os tempos da mocidade em
Berlim, de novo irrompe nas gravuras do álbum Mangue. A mesma temática
ressurge numa de suas últimas séries de pinturas, ,4s Erradias, de 1949.
Neste mesmo ano, tem inicio uma nova fase, interrompida pela morte em 1957: As
Florestas. Lasar Segall é tipicamente expressionista. Enquadrando-se como
artista de técnica e temperamento europeus, pode também ser considerado
brasileiro, não só porque viveu entre nós vários anos, chegando mesmo a se
naturalizar, mas porque se inspirou em nossa gente e em nossas coisas,
chegando, em certos momentos, a ser tocado pela luminosidade tropical. Foi excepcional
como pintor, como desenhista, como gravador — nas três técnicas — e como
escultor, Além do mais, contribuiu poderosamente para a implantação da arte
moderna em São Paulo e no Brasil, cujos limites culturais alargou. Sua temática
é, no dizer de Geraldo Ferraz, a do sofrimento humano- O drama de sua raça
judaica e, mais do que isso, o drama da raça humana, ameaçada de extermínio
pela violência e pela intolerância, motivaram-lhe os quadros mais sofridos.
Segall nunca foi maior nem mais sincero do que quando retratou os desamparados
e os oprimidos-+, e em suas grandes obras de cunho social chega a evocar o Goya
dos Desastres de Ia Guerra e o Picasso de Guernica. No fim da
vida tornou-se mais lírico, adotando por vezes tom bucólico ante a paisagem de
Campos do Jordão; sentiu também o apelo do não-figurativismo, na sérieAsFlorestas,
que presenciou experiências formais e cromáticas; mas tinha necessidade da
figura humana para externar seus sentimentos. E é como grande pintor
figurativo, um dos maiores que viveram no Brasil, que será sempre evocado.
Milton Dacosta
Nascido
em1915 em Niterói, foi um artista precoce. Sua primeira participação no Salão
Nacional de Belas-Artes se deu em 1933, e sua primeira mostra individual
realizou-se em 1936, na Galeria Santo Antônio, no Rio. Dacosta estudou na
Escola Nacional de Belas-Artes, onde foi aluno de Marques Júnior. Suas
primeiras produções, paisagens de cunho naturalista, são exercícios de um rapaz
de pouco mais de 15 anos, nos quais já se evidenciavam certas qualidades como
um agudo senso de construção formal, uma tendência inata a captar o essencial
das coisas, o horror ao regional, ao folclórico e ao anedótico. Por volta de
1940, Dacosta abandonou sua primeira maneira e, sob influência da Escola de
Paris, iniciou uma nova fase, marcada pela influência de Cézanne, Modigliani,
De Chirico e, entre os brasileiros, Portinari. Essa influência se mostra
presente em sua tendência construtiva, sua atmosfera rarefeita em certos
quadros, e nos pescoços longos e nas cabeças ovaladas de seus ciclistas
e banhistas além do
despojamento e severidade de certas naturezas mortas. A influência maior,
contudo, proveio do Cubismo, mas de um cubismo adaptado à circunstância
brasileira e às peculiaridades do temperamento do pintor. Foi essa paixão pelo
cubismo que fez Dacosta substituir gradualmete o Impressionistmo de suas
primeiras obras por uma arte mais extruturada, mais construída. Em 1955,
recebeu o prêmio de melhor pintor brasileiro na Bienal de São Paulo e de viagem
ao estrangeiro no Salão de Belas-Artes de 1944. Várias vezes expôs
individualmente e participou de mostras coletivas. Teve salas especiais
na VI Bienal de São Paulo, em 1961, e nas I Bienal da Bahia, em 1966.
Tarsila do Amaral
À margem da Semana de Arte Moderna,
despontaram algumas personalidades importantes, sem as quais não seria possível
apresentar um quadro completo da criação modernista, pois sua obra é
fundamental tanto pelo nível expressivo quanto pela originalidade da solução. E
não é exagerado afirmar que entre esses criadores isolados se encontram alguns
dos maiores artistas brasileiros deste século, como Tarsila do Amaral, Antônio
Gomide, Celso Antônio de Meneses e Osvaldo Goeldi. Tarsila do Amaral nasceu em
Capivari, no interior do Estado de São Paulo. Estava perto dos trinta anos
quando, em 1916, -deu início à sua carreira de artista, tornando-se aluna dos
escultores Zadig e Mantovani.
Em
1917 era aluna de Pedro Alexandrino, nada tendo feito que deixasse pressupor o
altonível que atingiria sua pintu ra, anos mais tarde. Depois dc curto estágio
no ateliê do pin tor alemão Georg Fischer Elpons, em 1920 Tarsila seguiu para a
Europa, cursando por algum tempo a Academia Julian, de Paris, e o ateliê de
Émile Renard, retratista da moda. Certas figuras femininas de Tarsila,
executadas por volta de 1922, em pálidas cores com predomínio de azuis, evocam
diretamente o estilo desse mestre, o qual teve o mérito de encorajá-la em
direção à modernidade. Em 1922, Tarsila expunha em Paris, no pacato Salão dos
Artistas Franceses, uma pintura que evocava o passado, sem remeter ao futuro.
Nesse mesmo ano, contudo, retornando ao Brasil, decidiu modificar sua
orientação estética; ao mesmo tempo, ligou-se aos intelectuais que formavam o
Grupo Klaxon: Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Menotti dei Picchia e Sérgio
Buarque de Holanda, entre outros. Logo depois formou, com os três primeiros e
Anita Malfatti, o Grupo dos Cinco, de vida efêmera; em 1923 encontrava-se de
novo em Paris para estudar seriamente. Em janeiro de 1923, ainda sob a
influência do Impressionismo, pintou Paquita, a Espanhola. Na obra
seguinte — A Negra — já se acham algumas das características que marcam
sua grande obra. Por essa época, a artista começou a freqüentar os ateliês dos
principais mestres cubistas. Como escreveu Sérgio Milliet, em 1924, na Revista
do Brasil, "André Lhote foi o seu primeiro mestre. Com ele conheceu a
necessidade de uma reação contra o boichevismo impressionista. Lhote, pintor
secundário, é excelente professor. Traço de união entre o cubismo e o
academismo. Seu segundo mestre foi Fernand Léger. Mais um passo para a frente:
mecanismo da vida moderna, assunto novo, síntese, ritmo, movimento. Quis,
porém, conhecer os requintes da nova tendência e dirigiu-se a Albert Gleizes.
Geometria, abstração do objeto, criação. Passou pelas três fases do cubismo.
Convinham-lhe todas parcialmente. E continuou a ser Tarsila do Amaral". Ao
mesmo tempo que seu espírito se abria e amadurecia, Tarsila conhecia Picasso e
De Chirico, Brancusi, Manuel de Falia, Stravinsky, André Breton, Cendrars, John
dos Passos e outros plasmadores da arte do século XX. Em 1924, durante uma
viagem às cidades históricas de Minas Gerais, em companhia de Oswald de Andrade
e do poeta Blaise Cendrars, Tarsila descobriu o Bra-sil: as obras que compôs
nos anos seguintes constituem a fase "pau-brasil", da qual E. E.
C. B. é altamente significativa. Tal fase resume-se, segundo Sérgio
Milliet, em alguns poucos ingredientes: "As cores ditas caipiras, rosas e
azuis, as flores de baú, a estilização geométrica das frutas e plantas
tropicais, dos caboclos e negros, da melancolia das cidadezinhas, tudo isso
enquadrado na solidez da construção cubista". Em 1926 Tarsila casou-se com
Oswald de Andrade. Um dia, em 1928, surgiu-lhe, sem premeditação, um quadro
diferente, início da chamada fase "antropofágica", na qual se situam
seus quadros mais importantes. A própria Tarsila assim descreve o início dessa
fase: "Eu quis fazer um quadro que assustasse o Oswald, uma coisa que ele
não esperava. Aí é que vamos chegar no Abaporu. O Abaporu era
figura monstruosa, a cabecinha, o bracinho fino, aquelas pernas compridas,
enormes, e junto tinha um cacto, que dava a impressão de um sol, como se fosse
também uma flor. Oswald ficou assustadíssimo e perguntou: ‘Mas o que é isso?
Que coisa extraordinária!’ Ele telefonou para o Raul Bopp: ‘Venha imediatamente
aqui, que é para você ver uma coisa!’ Raul Bopp foi lá no meu ateliê, na rua
Barão de Piracicaba, assustou-se também. Oswald disse: ‘Isso é como se fosse
selvagem, uma coisa do mato’, e o Bopp concordou. Eu quis dar um nome selvagem
também ao quadro e dei Abaporu, palavra que encontrei no dicionário de
Montoya, da língua dos índios. Quer dizer ‘antropófago’ ". Baseando-se
nessa obra, Oswald de Andrade elaborou toda uma teoria, da qual a Revista de
Antropofagia seria o órgão oficial. Em 1931 Tarsila viajou para a União
Soviética, chegando a realizar, em Moscou, uma exposição individual; ao
regressar, impressionada com o que lá observara, pintou alguns quadros de tema
social, entre eles duas obras-primas: Operários e 2•a Classe.
Essa fase social pouco duraria, pois logo em seguida a artista retornou à
sua temática caipira, agora resolvida num espírito talvez mais lírico.
Tais
retornos de Tarsila a fases anteriores tornaram-se habituais: em 1946, pintL
ras como Primavera ou Praias retomavam "o gigantismo onírico
da fase antropofágica, agora imersa num lirismo novo, pontilhista quase, em
meios tons"; Fazenda outras obras feitas após 1950 de novo
apresentam "as tônicas da fase pau-brasil no colorido de baú, porém
sensivelmente suavizado". Na verdade, concluída sua fase social dos anos
30, Tarsila repetia-se Sua última grande obra — o mural Procissão do
Santíssimo em São Paulo no Século XVIII — foi-lhe encomendada em l95~ pelo
Governo do Estado de São Paulo. Tarsila do Amaral faleceu a 17 de janeiro de
1973, deixando obra relativamente pequena: cerca de 250 óleos, meia dúzia de
esculturas, três gravuras e umas poucas centenas de desenhos, conforme o
recenseamento levado a cabo por sua biógrafa Aracy Amaral. Uma das precursoras
do que se poderia chamar de pintura nacional brasileira, Tarsila soube
emprestar a seus temas um lirismo intenso, adaptando formas e cores brasileiras
à severa disciplina cubista.
Vicente do Rego Monteiro
Respondendo a um inquérito entre
artistas, organizado por Walmir Ayala, Vicente do Rego Monteiro alinhou, como
influências que mais fundamente o marcaram. ‘o Futurismo, o Cubismo, a estampa
japonesa, a arte negra, a Escola de Paris. nosso Barroco e sobretudo a arte do
nosso ameríndio da ilha de Marajó".
Nascido
em Recife, em 1899, numa família de artistas. já em 1911 Vicente do Rego
Monteiro estava em Paris (em companhia da irmã mais velha), cursando, por pouco
tempo, a Academia Julian. Talento precoce, cri 1913 participou do Salão dos
Independentes, na capital francesa.
De
volta ao Brasil em 1917, dois anos mais tarde realizou, em Recife, sua primeira
mostra individual; em 1920 e 1921, apresentou-se no Rio de Janeiro, em São
Paulo e Recife. Em São Paulo entrou em contato com os artistas e intelectuais
que desencadeariam a Semana de Arte Moderna da qual participou com dez de
pinturas: três retratos, duas O duas Lendas Brasileiras, Baile no e dois
quadros intitulados Cubismo.
Logo
em seguida retornou a Paris, e integrou-se a tal ponto na vida artística e
cultural da capital francesa que nos anos 20, era dos pintores estrangeiro mais
conceituados na França, com assídua e notável participação em mostras duais e
coletivas. Expondo na Galeria Fabre, em 1925, mereceu do critico Maurice Raynal
as mais elogiosas referências: "Em vez de se dedicar comodamente
caligrafia acadêmica, Rego Monteiro repudiou essa tradição latina, que sufoca
geralmente os artistas do seu país, para ressuscitar a influência da tradição
indígena, que devia ser a primeira a provocar e inspirar todo artista
brasileiro". Em 1928,
nova individual, na Galeria Bernheim, Jeune, também em Paris, motivou
comentários favoráveis do grande pintor e teórico do Purismo. Amédée Ozenfant.
No ano seguinte, o crítico Geo-Charles consagrou-lhe um ensaio dos mais
elogiosos. Por essa época,
Vicente
integrou-se aos principais grupos de vanguarda artística parisiense,
juntando-se a Ozenfant, Metzinger e Herbin no grupo L’Effort Moderne. Quadros
de sua autoria eram adquiridos pelo Museu de Arte Moderna e pelo Museu do Jeu
de Paume. de Paris, pelo Museu de Grenoble e pelo Palácio dos Congressos
Internacionais, de Liège.
Alternando
praticamente toda a sua existência entre a França e o Brasil, Vicente só pouco
antes de falecer desfrutou algum prestigio maior em sua terra natal, onde nunca
chegou a receber a consideração que sua importância exigia. Por outro lado, nem
sempre ele se manteve fiel à pintura, pois considerava-se pelo menos tão bom
poeta quanto pintor. Foi o fundador da revista Renovação, em Recife, e
de 1947 a 1956 manteve em Paris La Presse à Bras, editora que
lançou várias plaquetas de poesia; com outros poetas, fundou o Mia de Poémes
do
Salâo
de Maio (1948/52) e organizou o Primeiro Congresso Internacional de Poesia,
realizado cm Paris em 1952. Como escritor, mereceu, em 1960,0 Prêmio
Apollinaire, por seu Livro de poemas Broussais — La Charité.
Em 1957, fixou-se no Brasil. passando
a lecionar sucessivamente na Escola de Belas-Artes de Recife, na de Brasília e
de novo na de Recife. Em 1966 o Museu de Arte de São Paulo dedicou-lhe uma
retrospectiva, o mesmo tendo feito, após sua morte, em 1970,0 Museu de Arte
Contemporânea da Universidade de São Paulo. Muitas das melhores telas de Rego Monteiro
perderam-se num incêndio, no fim da década de 20; anos mais tarde, o artista tentou reproduzi-Ias de
memória ou lançando mão de esboços e desenhos preliminares; mas, evidentemente,
as obras perderam muito em emoção e sentimento. Em seus melhores momentos, Vicente é
pessoal, embora aparentado a outros artistas de seu tempo. Sua peculiaridade é
a insistência com que abordou temas nacionais, o que o transforma em precursor
de uma tendência artística latino-amencana. Seu mundo de idéias oscilava entre
as figuras do panteão americano e a Bíblia, os clássicos e outros temas
grandiloqüentes, que tornam sua arte grave e profunda. Mas ele sentiu também, como poucos, a
sedução do movimento fascinado que era pela dança e pelo esporte — e, homem de
seu tempo, em determinada fase da carreira viu-se empolgado pelo não
figurativismo. Características de sua arte são a plasticidade, a sensação
volumétrica que se desprende dos planos, a textura quase imaterial, de tão
leve, o forte desenho, esquematizado. e a ciência da composição, que o torna um
clássico, preocupado com a construção das formas. Vicente do Rego Monteiro foi também
escultor, tendo deixado figuras em madeira, articuladas, num espírito afim com
o do cubista Léger. Sua influência tendeu a crescer após sua morte: a ele, de
certo modo, é que se referem muitos dos melhores artistas contemporâneos do
Nordeste, inclusive João Câmara e Gilvan Samico.
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