sexta-feira, 15 de junho de 2012

Interpretação de Textos e os Modernos Vestibulares



Interpretar exige raciocínio, discernimento e compreensão do mundo

A interpretação de textos é de fundamental importância para o vestibulando. Você já se perguntou por quê? Há alguns anos, as provas de Português, nos principais vestibulares do país, traziam uma frase, e dela faziam-se as questões. Eram enunciados soltos, sem conexão, tão ridículos que lembravam muito aquelas frases das antigas cartilhas: "Ivo viu a uva". Os tempos são outros, e, dentro das modernas tendências do ensino de línguas, fica cada vez mais claro que o objetivo de ensinar as regras da gramática normativa é simplesmente o texto. Aprendem-se as regras do português culto, erudito, a fim de melhorar a qualidade do texto, seja oral, seja escrito.
Nesse sentido, todas as questões são extraídas de textos, escolhidos criteriosamente pelas bancas, em função da mensagem/conteúdo, em função da estrutura gramatical. Ocorrem casos de provas contextualizadas, em que todos os textos abordam o mesmo assunto, ou seja, provas monotemáticas - exemplo adotado pela PUC/RS. Por sua vez, a Unisinos prefere o tema único nas 50 questões de humanas (Português, Língua Estrangeira, Geografia e História ).
Dessa maneira, fica clara a importância do texto como objetivo último do aprendizado de língua.


Quais são os textos escolhidos?

Textos retirados de revistas e de jornais de circulação nacional têm a preferência. Portanto, o romance, a poesia e o conto são quase que exclusividade das provas de Literatura (que também trabalham interpretação, por evidente). Assim, seria interessante observar as características fundamentais desses produtos da imprensa.


Os Artigos

São os preferidos das bancas. Esses textos autorais trazem identificado o autor. Essas opiniões são de expressa responsabilidade de quem as escreveu - chamado aqui de articulista - e tratam de assunto da realidade objetiva, pautada pela imprensa. Vejamos um exemplo: um dado conflito eclode em algum ponto do planeta (a todo o instante surge algum), e o professor Décio Freitas, historiador, abordará, em seu artigo em ZH, os aspectos históricos do embate. Portanto, os temas são, quase sempre, bem atuais.
Trata-se, em verdade, de texto argumentativo, no qual o autor/emissor terá como objetivo convencer o leitor/receptor. Nessa medida, é idêntico à redação escolar, tendo a mesma estrutura: introdução, desenvolvimento e conclusão.
Exemplo de Artigo
Os nomes de quase todas as cidades que chegam ao fim deste milênio como centros culturais importantes seriam familiares às pessoas que viveram durante o final do século passado. O peso relativo de cada uma delas pode ter variado, mas as metrópoles que contam ainda são basicamente as mesmas: Paris, Nova Iorque, Berlim, Roma, Madri, São Petesburgo.
(Nelson Archer - caderno Cidades, Folha de S. Paulo, 02/05/99)


Os Editoriais

Novamente, são opinativos, argumentativos e possuem aquela mesma estrutura. Todos os jornais e revistas têm esses editoriais. Os principais diários do país produzem três textos desse gênero. Geralmente um deles tratará de política; outro, de economia; um outro, de temas internacionais. A diferença em relação ao artigo é que o autor, o editorialista, não expressa sua opinião, apenas serve de intermediário para revelar o ponto de vista da instituição, da empresa, do órgão de comunicação. Muitas vezes, esses editoriais são produzidos por mais de um profissional. O editorialista é, quase sempre, antigo na casa e, obviamente, da confiança do dono da empresa de comunicação. Os temas, por evidente, são a pauta do momento, os assuntos da semana.


As Notícias

Aqui temos outro gênero, bem diverso. As notícias são autorais, isto é, produzidas por um jornalista claramente identificado na matéria. Possuem uma estrutura bem fechada, na qual, no primeiro parágrafo (também chamado de lide), o autor deve responder às cinco perguntinhas básicas do jornalismo: Quem? Quando? Onde? Como? E por quê?
Essa maneira de fazer texto atende a uma regra do jornalismo moderno: facilitar a leitura. Se o leitor/receptor desejar mais informações sobre a notícia, que vá adiante no texto. Fato é que, lendo apenas o parágrafo inicial, terá as informações básicas do assunto. A grande diferença em relação ao artigo e ao editorial está no objetivo. O autor quer apenas "passar" a informação, quer dizer, não busca convencer o leitor/receptor de nada. É aquele texto que os jornalistas chamam de objetivo ou isento, despido de subjetividade e de intencionalidade.
Exemplo de Notícia
O juiz aposentado Nicolau dos Santos Neto, ex-presidente do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, negou-se a responder ontem à CPI do judiciário todas as perguntas sobre sua evolução patrimonial. Ele invocou a Constituição para permanecer calado sempre que era questionado sobre seus bens ou sobre contas no exterior.
(Folha de S. Paulo, 05/05/99)


As Crônicas

Estamos diante da Literatura. Os cronistas não possuem compromisso com a realidade objetiva. Eles retratam a realidade subjetiva. Dessa maneira, Rubem Braga, cronista, jornalista, produziu, por exemplo, um texto abordando a flor que nasceu no seu jardim. Não importa o mundo com suas tragédias constantes, mas sim o universo interior do cronista, que nada mais é do que um fotógrafo de sua cidade. É interessante verificar que essas características fundamentais da crônica vão desaparecendo com o tempo. Não há, por exemplo, um cronista de Porto Alegre (talvez o último deles tenha sido Sérgio da Costa Franco).
Se observarmos o jornal Folha de S. Paulo, teremos, junto aos editoriais e a dois artigos sobre política ou economia, uma crônica de Carlos Heitor Cony, descolada da realidade, se assim lhe aprouver (Cony, muitas vezes, produz artigos, discutindo algo da realidade objetiva). O jornal busca, dessa maneira, arejar essa página tão sisuda. A crônica é isso: uma janela aberta ao mar. Vale lembrar que o jornalismo, ao seu início, era confundido com Literatura. Um texto sobre um assassinato, por exemplo, poderia começar assim: " Chovia muito, e raios luminosos atiravam-se à terra. Num desses clarões, uma faca surge das trevas..." Dá-se o nome de nariz de cera a essas matérias empoladas, muito comuns nos tempos heróicos do jornalismo.
Sobre a crônica, há alguns dados interessantes. Considerada por muito tempo como gênero menor da Literatura, nunca teve status ou maiores reconhecimentos por parte da crítica. Muitos autores famosos, romancistas, contistas ou poetas, produziram excelentes crônicas, mas não são conhecidos por isso. Carlos Drummond de Andrade é um belo exemplo. Pela grandeza de sua poesia, o grande cronista do cotidiano do Rio de Janeiro foi abafado. O mesmo pode-se falar de Olavo Bilac, que, no início do século passado, passou a produzir crônicas num jornal carioca, em substituição a outro grande escritor, Machado de Assis.
Essa divisão dos textos da imprensa é didática e objetiva esclarecer um pouco mais o vestibulando. No entanto, é importante assinalar que os autores modernos fundem essa divisão, fazendo um trabalho misto. É o caso de Luis Fernando Verissimo, que ora trabalha uma crônica, com os personagens conversando em um bar, terminando por um artigo, no qual faz críticas ao poder central, por exemplo. Martha Medeiros, por seu turno, produz, muitas vezes, um artigo, revelando a alma feminina. Em outros momentos, faz uma crônica sobre o quotidiano.
Exemplo de Crônica
Quando Rubem Braga não tinha assunto, ele abria a janela e encontrava um. Quando não encontrava, dava no mesmo, ele abria a janela, olhava o mundo e comunicava que não havia assunto. Fazia isso com tanto engenho e arte que também dava no mesmo: a crônica estava feita.
Não tenho nem o engenho nem a arte de Rubem, mas tenho a varanda aberta sobre a Lagoa - posso não ver melhor, mas vejo mais. Otto Maria Carpeaux não gostava do gênero "crônica", nem adiantava argumentar contra, dizer, por exemplo, que os cronistas, uns pelos outros, escreviam bem. Carpeaux lembrava então que escrever é verbo transitivo, pede objeto direto: escrever o quê? Maldade do Carpeaux. (...)
Nelson Rodrigues não tinha problemas. Quando não havia assunto, ele inventava. Uma tarde, estacionei ilegalmente o Sinca-Chambord na calçada do jornal. Ele estava com o papel na máquina e provisoriamente sem assunto. Inventou que eu descia de um reluzente Rolls Royce com uma loura suspeita, mas equivalente à suntuosidade do carro. Um guarda nos deteve, eu tentei subornar a autoridade com dinheiro, o guarda não aceitou o dinheiro, preferiu a loura. Eu fiquei sem a multa e sem a mulher. Nelson não ficou sem assunto.
(Carlos Heitor Cony, Folha de S. Paulo, 02/01/98)

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